Marie Simon-Pierre não quer falar mais, quer regressar ao trabalho na maternidade de Puyricard, em Aix-en-Provence e aproveitar a sua segunda vida. A irmã francesa que em 2005, dois meses após a morte de João Paulo II e depois de uma oração por sua intercessão, acordou curada da doença de Parkinson que lhe toldava a vida aos 44 anos, é convidada de honra este fim-de-semana no Vaticano mas não deverá voltar a dar entrevistas. É a confirmação da sua cura como um milagre do antecessor de Bento XVI que conduz, este domingo, a uma beatificação em tempo recorde para a igreja católica. O responsável de comunicação da congregação das Irmãzinhas das Maternidades Católicas, de que faz parte Marie Simon-Pierre, adiantou ontem ao i que a religiosa fará uma comunicação breve esta manhã em Roma, depois de uma entrevista em Janeiro em que lembrou o sonho da noite de 2 para 3 de Junho, há quatro anos. "No meu sonho, sentia-me bem e já não era a mesma. Quanto me levantei, perto das quatro horas e meia da manhã, estava curada." No domingo à tarde, regressará a França de barco, com 700 peregrinos da sua terra-natal.

O milagre foi atribuído a João Paulo II em Janeiro e levou ao passo inédito, por parte de Bento XVI, de dispensar os cincos anos que pela lei canónica devem passar-se antes do início do processo de canonização. Para João Paulo II ser santo terá de ser reconhecido um segundo milagre, trabalho que envolve dezenas de médicos especialistas e enviados da Santa Sé. Neste momento há 33 processos de beatificação e canonização com origem em Portugal pendentes no Vaticano, revelou ao i o cardeal Saraiva Martins. A estes juntam--se 16 pedidos para que "servos de Deus" sejam reconhecidos pela heroicidade das virtudes, entre eles o antigo bispo auxiliar da Guarda, Dom José Alves Matoso, ou o padre Abílio Gomes Correia. Manuel de Sousa e Silva, da arquidiocese de Braga e com experiência nas beatificações com origem nacional, explicou ao i que o decreto de venerável, emitido pelo Vaticano, é o primeiro passo para a beatificação e canonização. À excepção dos mártires, pessoas em que seja confirmado o homicídio por ódio à igreja e que desde 1983 podem ser de imediato considerados santos, todos os processos exigem confirmação de pelo menos um milagre. "Podíamos pensar que João Paulo II poderia ter dispensado o milagre - no dia do seu funeral o povo pediu que fosse santo de imediato. Mas a partir desse momento toda a gente iria querer que o seu candidato avançasse sem milagre." Um exemplo de um homem em lista de espera por não ter um milagre confirmado, relembra o padre, é Frank Duff, fundador da Legião de Maria - o processo deu entrada no Vaticano em 1996, depois de Duff ter morrido aos 91 anos, em 1980.

Análise exaustiva Saraiva Martins e Manuel Sousa e Silva garantem que o processo de validação dos milagres é exaustivo. Começa na diocese em que ocorre a cura, explica o padre de Braga. Em bora neste momento não tenham nenhum relato em mãos, Sousa e Silva diz que, quando surgem, há uma enorme discrição. Um juiz e um promotor de justiça eclesiásticos, acompanhados de um médico, interrogam doentes e eventuais testemunhas. "São processos demorados, muitas vezes para cada testemunha há 100 questões. Ouvir uma pessoa pode demorar dias."

Depois de o caso ser validado a nível nacional é enviado para um comité do Vaticano conhecido por Consulta Médica, organismo que envolve mais de 60 especialistas dos principais hospitais e universidades do mundo, revelou Saraiva Martins. "Damos a estudar os casos para nos dizerem se aquela cura tem explicação a luz da ciência e do conhecimento actual." Para ser considerada milagrosa tem de ser imediata, completa e permanente. Cada caso é avaliado em primeira instância por cinco médicos, que poderão pedir mais documentos ou outras opiniões. Para ser confirmada terá de ter o consenso da maioria. O relatório é depois sujeito à apreciação e validação pelo Papa e colégio de cardeais. O pontificado de João Paulo II detém neste momento o recorde de canonizações: 296 (em que pesam centenas de mártires da guerra civil espanhola). Bento XVI já presidiu a três centenas. A última portuguesa com um milagre confirmado, a irmã Maria Clara do Menino Jesus (1843-1899), será beatificada no dia 21 de Maio, no Estádio do Restelo. É lhe atribuída cura de uma devota espanhola que sofria de uma doença degenerativa da pele, depois de, em 2003, ter rezado junto ao seu túmulo.