Padre denuncia "abusos" na Vale do Rio Doce

20-05-2011 20:19

Padre denuncia "abusos" na Vale do Rio Doce

 

 

 

 
Escrito por Antônio Carlos Freitas   
 
Dário Bossi diz que igreja não pode ignorar problemas ambientaisDário Bossi diz que igreja não pode ignorar problemas ambientaisPadre Dário Bossi é italiano e há quatro anos reside em Açailândia onde é responsável pela paróquia São João Batista, no bairro do Jacú. Veio para o Brasil como missionário da Congregação Comboniana. Ao chegar ao município, teve conhecimento de denúncias de comunidades afetadas pelos impactos ambientais provocados pela atuação de empresas siderúrgicas e da Companhia Vale. As histórias de drama narradas por famílias carentes que residiam próximo à linha do trem e dos pólos industriais chamaram sua atenção. A partir de então, começou a estudar as circunstâncias e percebeu que o problema era ignorado pelo poder público e pela própria sociedade. Padre Dário é membro da rede Justiça nos Trilhos, entidade internacional que contesta as ações dos abusos cometidos pela companhia Vale, e praticamente divide seu ofício de sacerdócio com o de defensor das causas sociais e ambientais. Hoje, ele vive a expectativa da chegada da 11ª Romaria da Terra e das Águas. O evento promovido a cada dois anos pela Igreja Católica do Maranhão será realizado em setembro no distrito de Pequiá em Açailândia, onde são esperadas cerca de cinco mil pessoas. O foco da romaria será o debate dos problemas ambientais no estado, tomando como ponto de partida, os casos que Padre Dário conhece e vem debatendo há quatro anos.

1. A Igreja católica é sempre alvo de críticas pelos seus posicionamentos ideológicos e tradicionais. Já faz algum tempo que a Igreja Católica debate feridas no seio da sociedade. Na sua opinião, a postura da Igreja em abordar problemas sociais representa uma mudança na instituição?

Eu não diria mudança, porque desde a época de Cristo até hoje, sempre a igreja tentou defender o direito do povo, a justiça, a paz, a relação de integridade com o meio ambiente. Teve altos e baixos. Teve momentos que foi mais atrelada ao poder, e momentos em que a Igreja foi mais livre. Nesse momento histórico aqui no Maranhão, eu diria que os nossos bispos estão dando um exemplo corajoso ao denunciar o impacto dos grandes projetos de desenvolvimento que visam só o lucro, o lucro de poucos, que vai ao mesmo tempo determinar um impacto grande nas costas de muitos.

2. Em setembro a Igreja Católica do Maranhão realiza a 11ª Romaria da Terra e das Águas em Açailândia. Como este evento, poderá tratar do tema impactos ambientais perpassando pela religião?

A Romaria da Terra e das Águas é tradicionalmente um evento que ajuda o povo de Deus a refletir sobre o que está acontecendo com a criação, a vida do nosso planeta, e do nosso Maranhão. A cada dois anos, temos costume de nos reencontrar. Em 2009 foi em Codó, e agora em 2011 será aqui em Açailândia. É claro que Açailândia é um ponto de vista, é um pequeno pedaço no símbolo daquilo que está acontecendo no Maranhão todo. Desde o começo da preparação da Romaria, a gente está escutando muitas violações de direitos socioambientais. Aqui particularmente em Açailândia, temos o problema do impacto do ciclo da mineração e siderurgia, e, portanto, a poluição e o saque de recursos que enriquecem poucas pessoas e deixa realmente danos socioambientais para muitos. Em outros contextos, os problemas são diferentes. O que nos une o que nos torna fortes é o fato que, nas várias dioceses do Maranhão, todos têm consciência que a Igreja tem um papel, tem uma responsabilidade nisso, o papel de preservar, de denunciar e também de construir junto ao povo novas formas de vida, novas economias, novas ações mais equilibradas e respeitosas com a mãe natureza.

3. Num artigo escrito em 2009, o senhor diz que o Maranhão está machucado pelo desenvolvimento. Num estado pobre como o nosso, a palavra “desenvolvimento”, é sempre bem aceita pela população. Não estaria aí, um empecilho para o engajamento de mais pessoas nessa luta?

Então, é muito importante a gente entender o que se quer dizer por desenvolvimento. É uma palavra que faz sucesso, nesses meses e anos no Maranhão. Inclusive se tornou o programa eleitoral de muitos. Mas o que é desenvolvimento? Quem pode dizer se somos ou não desenvolvidos? Mais do que desenvolvimento, a categoria que a Igreja, os movimentos sociais, as culturas tradicionais estão propondo é o bem viver. Então eu gostaria de colocar nos dois pratos da balança essa questão. De um lado o desenvolvimento que hoje é entendido como, abrir todas as condições para que os grandes projetos multinacionais, capitalizados por poucas pessoas possam aproveitar dos nossos recursos e do nosso povo, isso é um modelo. O outro é o bem viver, que é o jeito de permitir ao povo, resgatar suas tradições, sua cultura, manter uma relação com o território que seja também capaz de gerar lucro, mas não só isso, gerar também protagonismo dos pequenos. Então o que pesa mais hoje no Maranhão, o desenvolvimento, ou o bem viver?

4. No artigo o senhor diz ainda: “... que a luta é impar, que todo gigante tem pés de barro, mas que mesmo assim, é extremamente difícil enfrentá-lo...”. Para que se vença uma luta, sempre há uma estratégia, qual seria a estratégia para vencer esta?

A imagem dos gigantes com os pés de barro é uma imagem bíblica, do livro do profeta Daniel, e assim bíblica, é a imagem do pequeno Davi que derrubou e derrotou o gigante Golias. E ele derrubou o gigante a partir de cinco pedrinhas, que souberam cair no lugar certo.  Então o grande desafio nosso é encontrar essas cinco pedras.

5. Quais seriam, então, essas cinco pedras em forma de estratégias?

Vamos tentar dar alguns nomes para essas pedras. Primeiro eu diria, a articulação. O problema maior de nossas comunidades, é que elas são extremamente divididas e isoladas uma com a outra. Segunda pedra eu diria a comunicação. Aqui conta muito o papel dos jornalistas, do público, que deve ser sabido, que sabe discernir entre as notícias compradas pelo poder econômico, e as noticias que ao contrário, dão voz aos pequenos. A terceira pedra é alternativas econômicas viáveis. E vai todo o trabalho em sugerir, por exemplo, experiências de economias solidárias, de pequenas produções agrícolas, a partir da agra ecologia, curso de capacitação, reciclagem e experiências que valorizem as culturas através do turismo socioambiental. Outra pedrinha é a relação com a política que é importantíssima. Infelizmente, a maioria dos políticos maranheses já se vendeu ao grande capital. Mas ainda existem alguns que acreditam em novas alternativas. Então, instaurar relações com aqueles políticos que apóiam isso é essencial. E a última pedra que a gente está utilizando é o víeis jurídico. Sabemos que infelizmente, ainda hoje, o grande poder econômico baseia muito de seus empreendimentos a partir de conivências político-jurídicas, ou seja, consegue licenças ambientais e de operação, mesmo sem ter as condições de fazer isso, sem ter realizado todos os vínculos legais que são necessários. E aí vai o nosso papel, a capacidade de denunciar, pesquisar e de reconhecer onde há relações de lei. A aliança com o Ministério Público, a Defensoria Pública, a rede de advogados militantes é outra pedra para derrubarmos os grandes gigantes.

6. No Brasil, vários religiosos foram torturados os assassinatos por se envolverem em lutas sociais. Como o senhor disse, a batalha é contra um gigante. Isso lhe causa medo ou temor?

Não! Às vezes o que causa é aquele senso de impotência. Às vezes a gente sente que há uma desproporção grande entre as forças e os recursos econômicos entre nosso movimento e as grandes empresas que estão investindo em nosso território. A nossa articulação ainda é fraca, ainda tem que aprender muito e não tem o tempo, o dinheiro, e as pessoas suficientes para enfrentar tudo isso. Então isso às vezes gera um desgaste, uma ânsia em ver que as coisas avançam devagar demais, mas isso mesmo assim não nos decepciona

7. O senhor já recebeu ameaças?

Ameaças não. Eu estava comentando com outras pessoas, que o nosso movimento, não só eu pessoalmente, mas o nosso grupo de militantes, já recebeu calúnias, artigos de jornais que caluniaram as nossas pessoas, os nossos projetos atrelados a falsidades, e também recebemos processos realizados pelas grandes empresas que estamos criticando, que também quiseram nos intimidar.

8. O que lhe motivou a lutar por sustentabilidade?

A relação com o povo. Quando nossa comunidade chegou a Açailândia, há quatro anos, conversávamos entre nós, comparávamos a beleza e a riqueza de nosso povo e as condições efetivas nas quais se encontravam, era para nós um soco no estômago. Fomos refletindo, consultando outras pessoas, buscando parceiros, assessorias e tentando entender, quais os caminhos mais eficazes para ajudar esse povo a enxergar alternativas, porque esse é o problema maior, que nos deixa mais preocupados.  Às vezes a própria cegueira está contagiando nosso povo. Muitas pessoas parecem apreciar essa nova onda de desenvolvimento e não enxergam mais além do imediato, mas se olharem para além do horizonte, há um grande perigo que nosso horizonte seja ainda mais de morte, de derrota. Como diz o tema da Campanha da Fraternidade, esse grito é um grito de parto ou de agonia? Como transformar as agonias do povo em novos partos? Isto é que nos animou e nos engajou na luta socioambiental.

9. Nesses quatro anos que sua congregação com o apoio de movimentos sociais, está batendo na tela do respeito ao meio ambiente, quais foram os avanços?

Conseguimos uma série de avanços. Primeiro em termos de articulação e visibilidade. A rede Justiça nos Trilhos é conhecida hoje no Maranhão, Pará, no Brasil inteiro e no mundo. Depois temos pequenas vitórias pontuais, como processos que conseguimos indenizações, e representações jurídicas que estão sendo levadas adiante para as instituições públicas do nosso estado e país. Temos a imprensa que cada vez mais nos dar credibilidade. É claro que os desafios ainda são muitos, mas diria que alguns pequenos sinais estão mostrando o caminho certo.

10. Para finalizar, o que o senhor espera para o futuro nessa jornada?

Eu tenho primeiramente uma grande expectativa em relação à Romaria da Terra e das Águas, porque pela primeira vez o Maranhão inteiro estará vindo aqui massiçamente em Açailândia. São cinco mil pessoas esperadas em setembro, visitando um dos muitos impactos que há em nosso estado. Isso é muito importante, quer dizer, isso vai devolver às comunidades a responsabilidade de encontrar caminhos. Essa é minha primeira expectativa, que essa Romaria da Terra e das Águas seja um despertar de novas práticas, e da capacidade de unir cada vez mais a fé à vida. O meu medo é que hoje a Igreja desande por caminhos religiosos que esquecem totalmente os desafios que temos no dia a dia. Então voltar a unir de maneira inseparável a fé e a vida, os conflitos com a esperança cristã é a minha maior esperança, e que isso vai acontecer através da Romaria é a minha maior certeza.  

*Esta entrevista foi produzida na disciplina de Gêneros Jornalísticos.

Fonte: https://www.imperatriznoticias.com.br/noticias/geral/3400-padre-denuncias-qabusosq-na-vale-do-rio-doce